Esse livro tem uma história de bastidores bem interessante. Na época do lançamento do filme, a editora Sextante aproveitou a publicidade que isso geraria para lançar toda a série do Guia do Mochileiro das Galáxias em nossa terrinha. Toda? Não, pois a última parte da trilogia de cinco partes inexplicavelmente não foi lançada na época. Mais bizarro ainda é que, dando um verdadeiro tiro no próprio pé, a editora mentia em todos os exemplares que lançou, se referindo à série como uma trilogia de quatro partes quando, na verdade, esta, assim como toda trilogia que se preze, tem pelo menos cinco.
Esse esforço da editora foi muito bem sucedido e muitas pessoas desinformadas acharam que a história realmente acabava na quarta parte, chamada Até Mais e Obrigado Pelos Peixes. Lembro até de uma conversa que tive com o Bruno na época onde ele estava realmente convencido disso e insistia que essa quinta parte não existia. Enfim, depois de muito tempo, o Bruno viu a luz. Achei que a quinta parte nunca sairia aqui mesmo e então optei por comprar a versão inglesa, chamada Mostly Harmless. Poucas semanas depois, a mesma Sextante lança por aqui a versão tupiniquim do último capítulo da trilogia, batizada de Praticamente Inofensiva. Que legal, não?
A Sextante definitivamente não é muito boa de marketing. Primeiro, por que lançar o livro agora, dois anos depois do filme ter chegado ao cinema? Pior, depois de todo o esforço que fez para convencer os brasileiros que este livro não existia, acredito que apenas os fãs mais hardcore de Douglas Adams vão ficar sabendo que ele foi lançado por aqui. Isso sem falar daqueles que compraram a versão original antes, como eu.
Bom, o fato é que finalmente a trilogia está completa em língua portuguesa e esse é o motivo dessa resenha. Mas um aviso: como você já deve ter deduzido, eu li apenas a versão original em inglês, então posso me referir a algumas coisas ou nomes de forma ligeiramente diferente da que você vai encontrar na tradução oficial.
Quem já leu as quatro primeiras partes da história, não vai encontrar novidades aqui. Todas as (muitas) qualidades que já conhecemos de Douglas Adams estão presentes, mas infelizmente, seus poucos defeitos também se manifestam e diria que o autor tem duas grandes falhas: a criação das histórias e a forma como são conduzidas.
Assim como nos outros livros, não há muito neste campo. O forte da trilogia não é a história, mas o humor e a filosofia presentes, principalmente, nas divagações do próprio Guia (que obviamente apresentam os pensamentos do próprio autor com aquele humor nonsense tipicamente inglês). Pense no primeiro livro, por exemplo. Podemos dividi-lo em quatro partes, a Terra, a nave Vogon, a Coração de Ouro e Magrathea. Mas para a história mesmo, contam apenas alguns pontos da Terra e de Magrathea, já que o que torna o livro especial são os pensamentos sobre o sentido da vida, do universo e de tudo mais.
Em Praticamente Inofensiva, todos os personagens estão separados. Trillian está fazendo carreira como uma jornalista intergaláctica, Ford está trabalhando para o Guia e Arthur está procurando por… uhn… algo. Só que dessa vez outras dimensões entram na parada, inclusive uma versão da Trillian que nunca foi para o espaço (e que portanto nunca recebeu esse nome, sendo apenas Tricia McMillan) e que mora em uma Terra que nunca foi destruída pelos Vogons. No começo do livro, temos capítulos intercalados falando de cada um dos personagens, o que dá uma sensação de se tratar de um conjunto de contos até meio chato. Finalmente, da metade para a frente, as coisas começam a se misturar e a história começa a fazer mais sentido.
Esse começo morno é ainda piorado pelos capítulos de tamanho bem maior ao que estamos acostumados nessa série (não são assim tão grandes, mas tem alguns que chegam a 20 páginas). Particularmente, acho que deveriam fazer uma convenção que impedisse os autores de criar capítulos de mais de duas páginas. Machado de Assis já sabia disso e isso é parte do motivo pelo qual seus livros são tão legais. Douglas Adams também sabia, mas parece ter esquecido aqui.
Aí cobrimos o problema da criação da história, mas a condução também mantém as falhas dos anteriores. Nenhuma das partes da trilogia amarra todas as pontas soltas e parece que Douglas esquece como os livros anteriores terminaram. Por exemplo, nenhuma menção é feita aqui a Fenchurch, a mina que Arthur namorou no livro anterior. Na verdade, Praticamente Inofensiva parece ignorar completamente tudo que aconteceu em Até Mais e Obrigado Pelos Peixes. Ou seja, se você ficou com várias dúvidas quando leu os anteriores, prepare-se, pois esse não vai responder nenhuma delas e ainda vai colocar mais algumas na sua cabeça.
Outros personagens muito queridos também não aparecem. É o caso de Marvin, por exemplo, que talvez seja o preferido dos fãs. Zaphod só dá as caras em flashbacks, e mesmo assim com muito menos destaque do que você esperaria.
Pronto, agora que já cobri os defeitos, vamos às qualidades. E apesar dos problemas com histórias, devo dizer que Douglas Adams tem uma habilidade invejável com as palavras. Ao contrário de todos os outros autores que já li na vida, o cara não fica perdendo tempo com descrições que nada acrescentam à leitura. Pelo contrário, ele enche de informações reais relacionadas ao universo, física quântica, astrologia e mais um monte de coisas que, embora deixem a leitura um pouco complicada, também a torna realmente uma fonte de conhecimento. Sem falar na lógica ilógica típica do humor nonsense e na expressão de sentimentos e pensamentos filosóficos que já eram característicos nas partes anteriores.
Aliás, alguns dos melhores momentos filosóficos da trilogia aparecem aqui. O tema não é mais a busca por um sentido na vida. Agora o assunto é astronomia, universos paralelos e outros assuntos tão interessantes quanto esses. Uma parte que achei muito boa é quando Arthur começa a procurar algo com o que trabalhar no universo e daí ele pensa que, embora tenha vindo de um planeta que tinha carros, aviões e televisões, ele não sabia fazer nenhuma dessas coisas. E você? Sabe? 😉
Infelizmente, embora os pensamentos sejam tão bons, senão melhores, que nos anteriores, o humor também dá uma diminuída. Se no primeiro livro você gargalha alto em muitos momentos e nos restantes, pelo menos sorri na maior parte do tempo, aqui você só vai dar um sorrisinho ou outro. Uma vantagem é que, ao contrário do final extremamente triste de Até Mais e Obrigado Pelos Peixes, com este aqui Douglas se despede da trilogia de uma forma mais positiva. Ainda sentimental (afinal, essa é a principal característica dos escritos do cara), porém positiva.
Eu consideraria Praticamente Inofensiva o pior livro da trilogia. Só que Douglas Adams é tão tremendão que mesmo o pior dele é melhor do que quase todos os outros autores que já li. Não recomendo que você conheça o trabalho do cara por aqui, mas se você já leu as quatro partes anteriores, não deixe de ler este para saber que fim levou a turminha que acompanhamos desde que a Terra foi destruída por aquelas criaturas que não são más, apenas burocráticas.
Uma lista de links úteis para o delfonauta interessado em conhecer o trabalho de Douglas Adams:
– Compre aqui a trilogia completa e se divirta por semanas.
– Inseguro se vale o investimento na trilogia completa? Tranqüilo, meu. Compre baratinho o primeiro livro e depois, se gostar, você compra os restantes.
– Já tem os outros livros? No problemo. Clica aqui e leve apenas o Praticamente Inofensiva para casa.
– Não gosta de ler? Palma, palma, não priemos cânico. Fique com o filme, mas eu sinceramente recomendo que você leia o livro primeiro e só depois assista esse aqui. Vai fazer muito mais sentido.
– Já tem tudo o que falei acima, mas ainda quer mais Mochileiro? Então compre aqui a série de TV completa, que conta a história das duas primeiras partes da trilogia. A série também é recomendada para aqueles que se interessam pela história e pelos pensamentos do autor, mas não têm tempo ou interesse em ler os livros. Ela tem praticamente todas as piadas de sua contraparte literária e é bem melhor que o filme. Só fica devendo no visual menos polido e nos efeitos especiais que são bem toscos. Mas, ei, ela foi filmada há uns 25 anos, o que você esperava?